Regimento de 21 de dezembro de 1686

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Que Sua Magestade ha por bem se guarde na reducção do Gentio do Estado do Maranhão, para o gremio da Igreja, e repartição e serviço dos Indios, que, depois de reduzidos, assistem nas Aldêas.


EU EL-REI faço saber aos que este meu Regimentos virem, que, sendo todo o cuidado d’El-Rei meu Senhor e Pai, que Santa Gloria haja, e meu, dar fórma conveniente á reducção do Gentio do Estado do Maranhão, para o gremio da Igreja, e á repartição e serviço dos Indios, que, depois de reduzidos, assistem nas Aldêas, querendo de tal modo satisfazer ao bem espiritual e temporal de uns e outros, que inteiramente fosso satisfeito o serviço de Deus, para bem de suas almas, e se encaminhasse a vida de todos com honesto trabalho della, tendo-se passado varias Leis e Ordens sobre esta materia, mandei promulgar a ultima de 14 de Junho de 1680, intendendo por ella dar remedio aos damnos que tinham succedido: - porém mostrando a experiencia que não tem sido bastante esta Lei para se conseguir o intento della, por ter a malicia intentado e descoberto novos modos para se não observar o disposto nella, e passando a tal excesso a ousadia e ambição dos moradores do dito Estado, que com injustos pretextos lançaram fóra aos Padres da Companhia de Jesus, Missionarios do dito Estado - pelo que, e por outros respeitos, os mandei castigar, como a sua culpa merecia, ordenando juntamente que os ditos Padres tornassem para o dito Estado, na maneira em que nelle residiam. -E sendo novamente informado pelo Governador Gomes Freire de Andrade de tudo o que pertencia a esta materia, com tanto zelo e verdade, como delle confiei sempre, mandando considerar as suas cartas e informações por Ministros de toda a supposição, inteireza e letras, fui servido resolver o seguinte:


I. Os Padres da Companhia terão o governo, não só espiritual que d'antes tinham, mas o politico e temporal das Aldêas de sua administração; e o mesmo os Padres de Santo Antonio, nas que lhes pertencem administrar: -com declaração que neste governo observarão as minhas Leis e Ordens, que se não acharem por esta e por outras reformadas, tanto em os fazerem servir no que ellas dispoem, como em os ter promptos para acudirem á defensa do Estado e justa guerra dos Sertões, quando para ella sejam necessarios.


II. Haverá dous Procuradores dos Indios, um na Cidade de S. Luiz do Maranhão, outro na Cidade de Belem do Pará - ao da Cidade de S. Luiz se darão até quatro Indios para seu serviço, e ao da Cidade de Belem se darão até seis, para com este interesse do seu trabalho poderem sujeitar-se ao grande que lhes occorre com esta occupação -e os taes Indios que os houverem de servir não serão sempre os mesmos, mas antes se mudarão, ao arbitrio dos Padres, como, e quando lhes parecer conveniente.


III. A eleição dos ditos Procuradores se fará, propondo o Superior das Missões dos Padres da Companhia, ao Governador do Estado, dous sujeitos para cada um dos ditos officios, e delles escolherá um o dito Governador - e para se haverem de governar os ditos Procuradores lhes fará Regimento o dito Superior das Missões, com conselho dos Padres Missionarios das Aldêas, o qual apresentarão ao dito Governador, que me informará sobre elle, com seu parecer, para eu o confirmar, sendo servido; e no meio tempo que não chegar a minha confirmação, e ordem que devem seguir, lhes mandará o dito Governador que observem o dito Regimento, por não ser conveniente que sirvam sem algum, nem que deixe de haver em algum tempo os ditos Procuradores.


IV. Nas Aldêas não poderão assistir nem morar outras algumas pessoas mais que os Indios, com as suas familias, pelo damno que fazem nellas: ―e achando-se que nellas moram ou assistem alguns brancos, ou mamelucos, o Governador os fará tirar e apartar das ditas Aldêas, ordenando-lhes que não tornem mais a ellas e os que lá forem ou tornarem, depois desta prohibição, que se mandará publicar com editaes e bandos por todo o Estado, sendo peões, serão açoutados publicamente pelas ruas da Cidade; e se forem nobres, serão degradados em cinco annos para Angola; e em um e outro caso sem appellação.


V. Nenhuma pessoa, de qualquer qualidade que seja, poderá ir ás Aldêas tirar Indios para seu serviço, ou para outro algum effeito, sem licença das pessoas que lha podem dar, na fórma de minhas Leis; nem os poderão deixar ficar nas suas casas, depois de passar o tempo em que lhes foram concedidos - e os que o contrario fizerem incorrerão, pela primeira vez, na pena de dous mezes de prizão, e de 20$000 réis para as des- [469] pesas das Missões; e pela segunda terão a mesma pena em dobro, e pela terceira vez para Angola, tambem sem appellação.


VI. E porque, sendo o Matrimonio um dos Sacramentos da Igreja, em que se requer toda a liberdade, e acerto, e deliberada vontade das pessoas que o hão de contrahir, e me tem chegado á noticia que algumas pessoas do dito Estado, com a ambição de trazerem mais Indios a seu serviço, induzem ou persuadem aos das Aldêas para casarem com escravos e escravas suas, seguindo-se desta persuasão a injustiça de os tirarem das ditas Aldêas, e trazerem-nos para suas casas, que vale o mesmo que o injusto captiveiro, que as minhas Leis prohibem — ordeno e mando, que, constando desta persuasão, que no natural dos Indios, pela sua fraqueza e ignorancia, é inseparavel da violencia, fiquem os taes escravos ou escravas, e se mandem viver nas Aldêas, com a mesma liberdade que nellas vivem os Indios; e quando não conste da dita persuasão ou violencia, sempre em todo o caso que os ditos casamentos se fizerem, não serão os Indios ou Indias obrigados a sahir das suas Aldêas, e ficarão nellas como d'antes estavam; e para o fim do Matrimonio lhes deputará ou assignalará o Bispo dias certos em que se possam juntar, como é de direito.


VII. Sem embargo do que fica disposto nos capitulos antecedentes, sobre as pessoas que forem ás Aldeas dos Indios sem licença, e sobre não poderem nellas viver nem assistir brancos, nem mamelucos, desejando provêr de remedio os damnos, que, não só costumavam acontecer de se persuadirem as Indias, com enganos e dadivas, a intentarem e procurarem os divorcios dos maridos, principiando este mal pelo abominavel dos adulterios, e seguindo-se depois o da separação dos Matrimonios, com grande prejuizo das almas, e do governo temporal dos mesmos Indios sou servido ordenar que o Ouvidor Geral tire em todos os annos uma exacta devassa destes casos, em que entrarão tambem os adulterios, ainda que pela Lei não sejam casos della; porque a miseria e fraqueza dos Indios, e o virem dos Sertões buscar a minha protecção nas Aldêas em que vivem, faz justificada a derogação da dita Lei, que para este fim hei por expressada, como se della fizera especial menção.

E tirada a dita devassa, a pronunciará, e procederá no castigo dos culpados nos casos declarados neste Regimento, como é disposto nelle - e nos casos de adulterio, em que não houver accusação, procederá contra os adulteros, com pena de degredo de dez annos para Angola ― e as adulteras, querendo-as receber os maridos nas Aldêas, se mandarão repôr n'ellas, e a arbitrio dos Padres Missionarios; e quando as não queiram receber, respeitando o crime que fizeram, como este se commettesse por causa de sua natural fraqueza e ignorancia, pela malicia e dolo com que são persuadidas, e por esta razão não mereçam igual castigo, nem seja conveniente ao serviço de Deus e meu que vão degradadas para outra Conquista, se ordenará o seu castigo, e a segurança das suas vidas, na Junta das Missões, á qual serão remettidas, com o processo das culpas que lhes resultarem das devassas, das quaes dará conta o dito Ouvidor Geral tambem todos os annos, no Conselho Ultramarino, para que me seja presente como procede na execução dellas; e do contrario se lhe dará culpa na sua residencia.


VIII. Os Padres Missionarios porão maior cuidado em que se povoem de Indios as Aldêas, pois a elles lhes encarrega o governo dellas, e espero que procurem por todos os meios, não só a conservação, mas o augmento das que são de repartição, por ser conveniente que haja nas ditas Aldêas Indios, que possam ser bastantes, tanto para a segurança do Estado, e defensa das Cidades, como para o trato e serviço dos moradores, e entrada dos Sertões.


IX. O mesmo cuidado terão os Padres Missionarios de communicarem e descerem novas Aldêas do Sertão, e de as situarem em partes accommodadas, para a sua vida, e trato dos moradores das Cidades, Villas e Logares, fazendo-os communicaveis no commercio, e persuadindo-os á razão da vida honesta de seu trabalho, para que não vivam ociosos, e para que uns e outros se possam igualmente ajudar, com reciproco commercio de seus interesses.


X. O commercio, que necessariamente consiste em generos do serviço dos Indios, que tambem importa necessariamente o justo salario de seu trabalho, se deve regular de maneira, que no commercio não haja engano, nem nos salarios excesso. Para este fim, quanto aos generos, se ordenará na Camara, com assistencia do Governador, e do Ouvidor Geral, e Provedor da Fazenda, a taxa dos preços pelos quaes se hão de vender aos Indios, e aquelles porque os Indios hão de vender, ou permutar os que forem de suas fabricas, ou tirarem dos Sertões: - e quanto aos salarios, se taxarão estes pelo Governador, com conselho e assistencia do Prelado da Companhia de Jesus, e do Prelado dos Padres de Santo Antonio, ouvidas as Camaras - e tanto de uma como de outra cousa se fará assento, communicando-se aos moradores, pelo meio que parecer conveniente, e aos Indios por meio dos Padres, aos quaes se darão tantas copias em numero, como forem as suas Aldêas, para as participarem a todas. [470]


XI. Os salarios dos Indios se satisfarão em dous pagamentos, ametade quando forem para o serviço, e a outra ametade se entregará no fim delle - e a fórma desta satisfação e entrega se ordenará pelo dito Governador, com conselho e assistencia dos ditos Padres, ao mesmo tempo que se determinar a taxa dos salarios, para que de nenhum modo possa haver engano nem falta nos ditos pagamentos.


XII. Para se evitar a queixa dos moradores na repartição dos Indios, e para que se não possa exceder o numero dos escriptos, a que se chama verbaes, e muito principalmente para que os Padres possam saber o numero e qualidade dos Indios de que se podem valer, nas occasiões em que podem ser necessários para bem do Estado, se farão dous Livros, que servirão de matricular nelles todos os Indios, de idade de treze annos inclusive, até a idade de cincoenta annos, por ser aquella em que commodamente podem estar capazes de servir - um destes Livros terá o Superior das Missões, e outro o Escrivão da Fazenda, e ambos serão rubricados e numerados pelo Governador - e tanto em um como em outro se irão descarregando, por certidões dos Missionarios, os Indios que forem fallecendo, e aquelles que, por achaques e por causa dos annos, estiverem escusos do trabalho - e estes Livros se reformarão, passados dous annos, do mesmo modo em que agora se fizeram, e por este mesmo modo se irão continuando adiante.


XIII. Por quanto mostrou a experiencia que a repartição dos Indios se não póde fazer por tempo de dous mezes, como era ordenado pela minha Lei do 1.º de Abril de 1680, em razão de ser necessario muito mais tempo para se trazerem as drogas dos Sertões, sou servido derogar a dita Lei, e ordeno que a dita repartição se faça nas Aldeas do Pará, por tempo de seis mezes inclusivè, e que no Maranhão se faça por tempo de quatro - com declaração que, intendendo o Governador, com conselho do Superior das Missões, que, pela difficuldade dos Rios, e distancia dos Sertões do Maranhão, é necessario igual tempo aos moradores da Cidade de S. Luiz para irem a elles, que aos da Cidade de Belem do Pará, poderá alterar o termo dos quatro mezes, como todos julgarem ser conveniente.


XIV. Esta repartição se não fará em tres partes, como se mandava fazer pela dita Lei, mas antes se fará em duas partes, ficando uma nas Aldêas, e outra indo ao serviço, pela mesma razão do maior tempo que os Indios se hão de occupar nelle - o que se intenderá, sendo igual este tempo do serviço no Maranhão, que no Pará; porque, se no Maranhão forem necessarios quatro mezes sómente, ficará com mais igualdade a repartição das tres partes, servindo uma, e descansando duas.


XV. Nesta repartição não entrarão os Padres da Companhia, porque elles, attendendo á melhor conveniencia dos moradores, me representaram que a podiam escusar, se eu os remediasse por outra via, para o serviço que lhes é necessario dos seus Collegios e residencias; pelo que houve por bem de consentir na sua petição: -e na consideração de que não hão de ter a terça parte, como tinham até o presente, ordeno ao Governador, que elle depute, para serviço dos ditos Padres da Cidade de S. Luiz do Maranhão, a Aldêa chamada do Panaré; e para o serviço dos Padres da Cidade de Belem do Pará a Aldêa chamada de Gonçan, que elles desceram do Sertão, com expressa condição de não servirem aos moradores da dita Cidade, e tambem para que os possam tornar a unir na dita Aldêa, da qual os mais delles fugiram, por occasião de serem obrigados ao dito serviço - com tal declaração porém, que os ditos Padres procurarão por todos os meios possiveis descer á dita Aldêa do Panaré para junto do Rio Itapecurá, pela conveniencia que desta mudança resulta a meu serviço; e que a mesma Aldêa ficará com a obrigação que tinha de se dar um Indio della para guia de cada uma das canôas, que os moradores costumam mandar ao cravo do dito Rio Panaré; procurando tambem, quanto lhes fôr possivel, e o tempo lhe permittir, que o mesmo Rio Panaré se povôe de outra Aldêa que poderem descer do Sertão, na parte do dito Rio que a elles lhes parecer conveniente; e que no Pará procurem do mesmo modo descer alguma Aldêa, que possa substituir a de Gonçan, que se lhes larga, pela conveniencia que tambem resulta a meu serviço na extensão das povoações. - E tanto uma como outra Aldêa se entregarão logo aos ditos Padres, ficando no seu cuidado satisfazer á dita declaração.


XVI. Para cada uma das residencias que os ditos Padres tiverem em distancia de trinta leguas das ditas Cidades de S. Luiz do Maranhão, e de Belem do Pará, lhes deputará tambem o Governador vinte e cinco Indios, por serem os necessarios ao exercicio das suas Missões, ás quaes devem acudir tão promptamente, como requer o bem espiritual dos Indios, que administram as Aldêas que são do districto das ditas residencias; porque não é possivel que de outro modo satisfaçam a sua obrigação, e zelo com que tratam do serviço de Deus Nosso Senhor e meu.


XVII. As residencias que tiverem dentro do limite das trinta leguas, poderão supprir os ditos Padres com os Indios das Aldêas que lhes são concedidas, mandando uns para ellas, e mudando [471] outros, como lhes parecer conveniente; porém isto se não intenderá para com a residencia de Mortigurá, que tem os ditos Padres no Sertão do Pará, porque para ella se lhes darão tambem vinte e cinco Indios, supposto que esteja dentro das trinta leguas, em razão de que o districto da dita residencia é muito largo, e o não poderão satisfazer, como importa ao bem espiritual das Aldêas, com os Indios da Aldêa que lhe é concedida no Pará.


XVIII. A repartição que se houver de fazer dos Indios para o serviço dos moradores das Cidades, Villas e Logares do Maranhão e Pará, fará o Governador, na parte onde estiver, e em sua falta o Capitão-mór, com duas pessoas mais, eleitas pela Camara, e sempre com o parecer e assistencia do Superior das Missões, e dos Parochos das ditas Aldêas, que se poderem achar presentes ao tempo que a dita repartição se fizer; e nella não poderão entrar o dito Governador ou Capitão-mór, nem as ditas pessoas que a Camara eleger - e nesta mesma fórma se expedirão as licenças para os ditos moradores irem ás ditas Aldeas buscar os ditos Indios que lhes forem repartidos - e quando lhes seja necessario irem ás Aldêas trazer os Indios para o commercio, ou por outro respeito que seja justo, lhes dará licença o dito Governador, e em sua ausencia o Capitão-mór, com o conselho do Superior das Missões, a qual será assignada por ambos; e primeiro de usarem della, os taes moradores serão obrigados apresental-a ao Parocho das ditas Aldêas.


XIX. A falta de Indios com que se acham as Aldeas da repartição, faz precizo que se procurem aliviar, de algum modo que seja mais commodo para elles, e conveniente aos moradores; e com este respeito, todas as vezes que os moradores houverem de ir ao Sertão, arbitrando-se primeiro o numero de Indios que necessitam para lhes remarem as canôas, se lhes dará ametade delles, sómente das Aldeas da repartição, e a outra ametade procurarão os taes moradores trazer das outras Aldeas, que costumavam servir, pela conveniencia que com elles faziam: por quanto com a taxa dos salarios fica remediado o damno que sentiam no excesso delles - e os Padres Missionarios das ditas Aldêas terão cuidado de que os ditos Indios se não escusem sem justa causa, pela conveniencia que tiram do seu trabalho, e pela que a todos resulta do commercio dos Sertões. - E não será razão bastante para não entrarem da dita repartição os moradores que tiverem escravos proprios; porque, além de serem necessarios para as suas fabricas, não é justo que se exponham a lhes fugirem para os Sertões, como tem succedido muitas vezes.


XX. Não poderão entrar na repartição aquelles Indios que forem menores de treze annos, como acima fica dito, nem tambem algumas mulheres, desta ou de maior idade - mas porque na occasião em que se recolherem os fructos que se lançaram á terra são necessarias aos moradores algumas Indias, que se chamam farinheiras, e tambem necessitam os mesmos moradores de Indias para lhes criarem seus filhos, e é razão que em umas e outras se occupem neste serviço sem perigo de sua honestidade - encarrego muito aos Reitores dos Collegios, e Prelados das Missões, que elles, no tempo conveniente e necessario, façam repartir, e com effeito dêem, as taes Indias farinheiras e de leite áquellas pessoas que as houverem de tratar bem, no espiritual e temporal, arbitrando-lhes os salarios que devem vencer, e o tempo deste serviço, para que consigam o justo interesse d'elle, e não possa exceder o dito tempo, sem que as taes pessoas recorram aos ditos Padres, e que elles hajam por justificada a maior dilação que se lhes pedir.- E ao Governador encarrego muito particularmente que faça observar nesta parte o que os ditos Padres dispozerem, assim para o serviço das ditas Indias, como para a satisfação do seu trabalho.


XXI. É muito conveniente ao bem espiritual temporal dos Indios, que não vivam em Aldêa pequena, e que não estejam divididos no Sertão, expostos á falta dos Sacramentos, pela difficuldade de lhe acudirem os Missionarios, e a violencia com que a este respeito podem ser tratados, na falta de assistencia dos mesmos Padres - e porque no Regimento dos Governadores se ordena que os procurem reduzir a Aldêas de cento e cincoenta visinhos, e se tem conhecido os damnos de se não observar o disposto nelle, sou servido ordenar novamente que o dito Regimento se execute, tanto pelo dito Governador, na parte que lhe toca, como pelos ditos Missionarios, que farão toda a diligencia para os persuadir á conveniencia referida.- E quando os ditos Indios forem de differentes Nações, e por esta causa repugnem á dita união, que costuma nestes casos ser tal, que os faz cahir algumas vezes na desesperação de sua antiga barbaridade, se poderá evitar esse inconveniente, separando-os e dividindo-os em freguezias, dentro do districto em que estiverem as residencias, para que por este modo sejam assistidos nos ditos Padres com a doutrina, seguros com as minhas Leis, e conservados, sem o temor de sua repugnancia.


XXII. Os Indios das Aldêas que de novo se descerem do Sertão, não serão obrigados a servir, por tempo de dous annos, porque é necessario para se doutrinarem na Fé, primeiro motivo de sua reducção: — e para que façam as suas roças, e se accommodem á terra antes, que os [472] tornem arrependidos a differença delle, e o jugo do serviço, e tanto para com as Aldêas que se descerem para servirem aos moradores, como para aquelles que sem esta condição quizerem descer, se observarão inviolavelmente os pactos que com elles se fizerem, por ser assim conforme á fé publica, fundada no Direito Natural, e Civil, e das Gentes. - E se os Governadores contravierem estes pactos, depois de feitos e celebrados pelos Padres Missionarios com os ditos Indios (o que eu não espero) me darei por muito mal servido delles; e será reputada esta culpa por uma das maiores de suas residencias.

E succedendo que os Padres Missionarios, praticando os Gentios dos Sertões, os achem dispostos a seguir e observar a Lei de Christo Nosso Redemptor nas mesmas terras aonde vivem, sem quererem descer para outras, neste caso aceitarão os ditos Padres os taes Gentios ao gremio da Igreja, procurando persuadilos a que desçam sómente para aquella parte do mesmo Sertão em que elles mais commodamente lhes possam assistir com a doutrina evangelica, e bem espiritual de suas almas; fazendo com tudo que se não unam em Aldêas, ou se ajuntem em Freguezias, no districto das residencias que os Padres fabricarem de novo na fórma que se dispoem no capitulo antecedente; porque a justiça não permitte que estes homens sejam obrigados a deixarem todo e por todo as terras que habitam, quando não repugnam a ser Christãos; e a conveniencia pede que as Aldêas se dilatem pelos Sertões, para que deste modo se possam penetrar mais facilmente, e se tire a utilidade que delles se promette.


XXIII. Para as entradas que os Missionarios hão de fazer nos Sertões lhes darão os Governadores todo o auxilio, ajuda e favor que elles houverem mister, tanto para a sua segurança, como para com maior facilidade fazerem as Missões: - e porque tenho mandado dar Regimento á Junta das Missões, e não é razão que os Ministros della se entremettam em outras cousas mais, d'aquellas para que foi creada, não poderá a dita Junta, no mais tempo que se faz o dito Regimento, encontrar o disposto neste, mas antes o fará observar com o cuidado da sua obrigação.


E não contém mais o dito Regimento, o qual mando se cumpra e guarde, como nelle se contém, sem embargo de quaesquer Leis, Ordenações, Privilegios particulares ou geraes, Regimentos e Provisões que hajam em contrario, que tudo hei por derogado e derogo, para effeito do que nelle se contém, como se de cada uma fizera expressa menção, e que não passe pela Chancellaria, sem embargo das Ordenações em contrario.

Martim de Brito Couto o fez, em Lisboa, a 21 de Dezembro de 1686. O Bispo Frei Manoel Pereira o fez escrever. = REI.

Liv. de Regimentos do Conselho Ultramarino fol. 205”


Regimento de 21 de Dezembro de 1686 que Sua Magestade ha por bem se guarde na reducção do Gentio do Estado do Maranhão, para o gremio da Igreja, e repartição e serviço dos Indios, que, depois de reduzidos, assistem nas Aldêas, in Colleção Chronologica da Legislação Portuguesa 1683-1700, Lisboa: Imprensa Nacional, 1859, pp. 468-472. Para carregar clique aqui,do antigo site ius lusitanea.