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Carta para o Mestre de Campo Mathias Cardoso de Almeida.
Sua Magestade que Deus guarde se serviu mandar-me a governar este Estado, e com me haver recommendado muito essa Capitania do Rio Grande e a defensão de seus moradores, me ordena por carta particular de 27 de Dezembro do anno passado de seiscentos e noventa e tres, que veja eu se com o meio da paz se podem sujeitar, e reduzir os Barbaros para que possam lograr com ella seus moradores o socego, que se deseja, e que quando se entenda, que a não querem e que pela sua variedade não será estabelecida, nem se poderá conservar, nesse caso ordene eu se faça, e continue a guerra concorrendo para ella com todos os meios para que se possa sustentar fazendo que sejam promptos e infalliveis os pagamentos dos soldos, que se prometteram aos Cabos dos Paulistas por não ser justo, que empregando-se elles no seu Real serviço em occasião tão importante: [303] e expondo-se aos riscos della não tenham, com que passem soffrendo tantos trabalho na Campanha.
A estas expressas palavras de Sua Magestade se seguem para me mover com toda attenção o preciso effeito dellas, a grande lastima, que tenho de quanto esses moradores têm padecido em tantos annos nas hostilidades dos Barbaros, que é certo seriam mais lamentaveis, se o nome, e o valor dos Paulistas, os não reprimiram, e venceram tantas vezes: e sobretudo se não tiveram a Vossa Mercê para os Governar. Já quando por aqui passei vindo de Angola, tive grandes informações da pessoa de Vossa Mercê, e do muito que a sua constancia, e prudencia tem merecido nessa guerra á grandeza de Sua Magestade. Agora que Sua Magestade me encarrega tanto a conservação dessa Capitania, venho eu a ser o mais empenhado na boa fortuna que espero tenham esses pobres com ….., que ……….. dar a uns Vassallos, que tanto ama, e de quem tanto se compadece, e com o conceito que tenho de Vossa Mercê para obrar como instrumento meu ou a reducção dos Gentio a uma paz segura, ou na guerra, que Vossa Mercê ha de continuar, para a sua total extincção, e final socego de seus moradores.
A’ minha conta fica soccorrer a Vossa Mercê com tudo aquillo que Vossa Mercê me avisar logo lhe é necessario, ou para estabelecer a paz, ou para proseguir a guerra. E este aviso me faça Vossa Mercê com summa brevidade, e em uma embarcação, que fica para partir mando logo embarcar as munições, que entendo lhe [304] poderão ser necessarias, e nas patentes que estão na Secretaria do Estado mandarei pôr as apostilas necessarias para correrem os soldos nesta praça pelo meio mais possivel. Com esta certeza trate Vossa Mercê logo de ajuntar toda a gente, que ou pelo desabrimento da Campanha, ou pela falta de serem soccorridos se desuniu o seu Terço engrossando quanto puder ser, e dispondo desde logo tudo o que lhe parecer conveniente, assim para se perpetuar o sustento da sua gente como para se cobrir de toda a invasão dos Barbaros essa Capitania.
E porque por outra carta de seus de Março deste anno se serviu Sua Magestade ordenar-me, que no Assú, Jaguari, e Piranhas se ponham seis Aldeias de Indios, duas em cada um destes tres sertões com cem casaes cada Aldeia, e com vinte soldados pagos, e seu Cabo me informe Vossa Mercê muito particularmente o que lhe parece sobre esta disposição para se impedirem as hostilidades da guerra, que os Barbaros podem fazer, e de que Aldeias e Capitanias se pode tirar este numero de casaes, que Sua Magestade quer se situem de novo: dando-me Vossa Mercê inteira conta de tudo o que entender, que convem prevenir-se, e dispor-se, assim para esta nova situação de Aldeias, e em que distancia ficam das Capitanias mais vizinhas pelo muito que importa ser-me tudo presente com a maior distincção.
Para ajudar a Vossa Mercê no que puder da sua parte essa Capitania do Rio Grande a mando Governar por Agostinho Cesar de Andrade por ser o sujeito que Vossa Mercê tão bem conhece pela larga experiencia, que tem da sua [305] prudencia, e saber, e conhecimento que elle teve já dessa Capitania: creio eu, quando os Jandois, que com elle fizeram pazes, quando a governava, tiverem noticia de estar restituido a seu Governo o tornarão a buscar para as renovarem, e ter a Capitania menos esses inimigos.
Ultimamente torno a encarregar a Vossa Mercê me dê muito larga conta de tudo, e dos cabos e soldados, e officiaes brancos, e Indios, com que Vossa Mercê se acha de presente, e em que lugar tem feito o Arraial, e fórma, em que tem disposto a defensa actual da Capitania, e ha de dispor a guerra offfensiva dos Barbaros não se querendo elles sujeitar á paz, que Sua Magestade deseja. E para esta lhe prometerá Vossa Mercê todas as terras que pedirem, e elegerem para sua habitação, e das suas famílias, e que serão conservados na protecção de Sua Magestade em sua liberdade, e união dos mais vassallos livres. Despachando Vossa Mercê a toda a pressa por correios ligeiros, e de satisfação todos estes avisos, e noticias de que tanto pende o acerto do serviço de Sua Magestade, e o bom successo, que espero tenha Vossa Mercê em tudo. Deus guarde a Vossa Mercê. Bahia e Junho 4 de 1694.
Dom João de Lancastro.”
Carta a Mathias Cardoso de Almeida de 4 de junho de 1694, in Documentos Históricos, vol. XXXVIII, Rio de Janeiro: Bibliotheca Nacional, 1937, pp. 302-305. Para carregar clique aqui.