[p.468]REGIMENTO
Que
Sua Magestade ha por bem se guarde na reducção do Gentio do Estado
do Maranhão, para o gremio da Igreja, e repartição e serviço dos
Indios, que, depois de reduzidos, assistem nas Aldêas.
EU
EL-REI faço saber aos que este meu Regimentos virem, que, sendo todo
o cuidado d’El-Rei meu Senhor e Pai, que Santa Gloria haja, e meu,
dar fórma conveniente á reducção do Gentio do Estado do Maranhão,
para o gremio da Igreja, e á repartição e serviço dos Indios,
que, depois de reduzidos, assistem nas Aldêas, querendo de tal modo
satisfazer ao bem espiritual e temporal de uns e outros, que
inteiramente fosso satisfeito o serviço de Deus, para bem de suas
almas, e se encaminhasse a vida de todos com honesto trabalho della,
tendo-se passado varias Leis e Ordens sobre esta materia, mandei
promulgar a ultima de 14 de Junho de 1680, intendendo por ella dar
remedio aos damnos que tinham succedido: - porém mostrando a
experiencia que não tem sido bastante esta Lei para se conseguir o
intento della, por ter a malicia intentado e descoberto novos modos
para se não observar o disposto
nella, e passando a tal excesso a ousadia e ambição dos moradores
do dito Estado, que com injustos pretextos lançaram fóra aos Padres
da Companhia de Jesus, Missionarios do dito Estado - pelo que,
e por outros respeitos, os mandei castigar, como a sua culpa merecia,
ordenando juntamente que os ditos Padres tornassem para o dito
Estado, na maneira em que nelle residiam. -E sendo novamente
informado pelo Governador Gomes Freire de Andrade de tudo o que
pertencia a esta materia, com tanto zelo e verdade, como delle
confiei sempre, mandando considerar as suas cartas e informações
por Ministros de toda a supposição, inteireza e letras, fui servido
resolver o seguinte:
I.
Os Padres da Companhia terão o governo, não só espiritual que
d'antes tinham, mas o politico e temporal das Aldêas
de sua administração; e o mesmo os Padres de Santo Antonio, nas que
lhes pertencem administrar: -com declaração que neste governo
observarão as minhas Leis e Ordens, que se não acharem por esta e
por outras reformadas, tanto em os fazerem servir no que ellas
dispoem, como em os ter promptos para acudirem á defensa do Estado e
justa guerra dos Sertões, quando para ella sejam necessarios.
II.
Haverá dous Procuradores dos Indios, um na Cidade de S. Luiz do
Maranhão, outro na Cidade de Belem do Pará - ao da Cidade de
S. Luiz se darão até quatro Indios para seu serviço, e ao da
Cidade de Belem se darão até seis, para com este interesse do seu
trabalho poderem sujeitar-se ao grande que lhes occorre com esta
occupação -e os taes Indios que os houverem de servir não serão
sempre os mesmos, mas antes se mudarão, ao arbitrio dos Padres,
como, e quando lhes parecer conveniente.
III.
A eleição dos ditos Procuradores se fará, propondo o Superior das
Missões dos Padres da Companhia, ao Governador do Estado, dous
sujeitos para cada um dos ditos officios, e delles escolherá um o
dito Governador - e para se haverem de governar os ditos Procuradores
lhes fará Regimento o dito Superior das Missões, com conselho dos
Padres Missionarios das Aldêas, o qual apresentarão ao dito
Governador, que me informará sobre elle, com seu parecer, para eu o
confirmar, sendo servido; e no meio tempo que não chegar a minha
confirmação, e ordem que devem seguir, lhes mandará o dito
Governador que observem o dito Regimento, por não ser conveniente
que sirvam sem algum, nem que deixe de haver em algum tempo os ditos
Procuradores.
IV.
Nas Aldêas não poderão assistir nem morar outras algumas pessoas
mais que os Indios, com as suas familias, pelo damno
que fazem nellas: ―e achando-se que nellas moram ou assistem alguns
brancos, ou mamelucos, o Governador os fará tirar e apartar das
ditas Aldêas, ordenando-lhes que não tornem mais a ellas e os que
lá forem ou tornarem, depois desta prohibição, que se mandará
publicar com editaes e bandos por todo o Estado, sendo peões, serão
açoutados publicamente pelas ruas da Cidade; e se forem nobres,
serão degradados em cinco annos para Angola; e em um e outro caso
sem appellação.
V.
Nenhuma pessoa, de qualquer qualidade que seja, poderá ir ás Aldêas
tirar Indios para seu serviço, ou para outro algum effeito, sem
licença das pessoas que lha podem dar, na fórma de minhas Leis; nem
os poderão deixar ficar nas suas casas, depois de passar o tempo em
que lhes foram concedidos - e os que o contrario fizerem incorrerão,
pela primeira vez, na pena de dous mezes de prizão, e de 20$000
réis para as des- [469]
pesas das Missões;
e pela segunda terão a mesma pena em dobro, e pela terceira vez para
Angola, tambem sem appellação.
VI.
E porque, sendo o Matrimonio um dos Sacramentos da Igreja, em que se
requer toda a liberdade, e acerto, e deliberada vontade das pessoas
que o hão de contrahir, e me tem chegado á noticia que algumas
pessoas do dito Estado, com a ambição de trazerem mais Indios a seu
serviço, induzem ou persuadem aos das Aldêas para casarem com
escravos e escravas suas, seguindo-se desta persuasão a injustiça
de os tirarem das ditas Aldêas, e trazerem-nos para suas casas, que
vale o mesmo que o injusto captiveiro, que as minhas Leis prohibem —
ordeno e mando, que, constando desta persuasão, que no natural dos
Indios, pela sua fraqueza e ignorancia, é inseparavel da violencia,
fiquem os taes escravos ou escravas, e se mandem viver nas Aldêas,
com a mesma liberdade que nellas vivem os Indios; e quando não
conste da dita persuasão ou violencia, sempre em todo o caso que os
ditos casamentos se fizerem, não serão os Indios ou Indias
obrigados a sahir das suas Aldêas, e ficarão
nellas como d'antes estavam; e para o fim do Matrimonio lhes deputará
ou assignalará o Bispo dias certos em que se possam juntar, como é
de direito.
VII.
Sem embargo do que fica disposto nos capitulos antecedentes, sobre as
pessoas que forem ás Aldeas dos Indios sem licença, e sobre
não poderem nellas viver nem assistir brancos, nem mamelucos,
desejando provêr de remedio os damnos, que, não só costumavam
acontecer de se persuadirem as Indias, com enganos e dadivas, a
intentarem e procurarem os divorcios dos maridos, principiando este
mal pelo abominavel dos adulterios, e seguindo-se depois o da
separação dos Matrimonios, com grande prejuizo das almas, e do
governo temporal dos mesmos Indios sou servido ordenar que o Ouvidor
Geral tire em todos os annos uma exacta devassa destes casos, em que
entrarão tambem os adulterios, ainda que pela Lei não sejam casos
della; porque a miseria e fraqueza dos Indios, e o virem dos Sertões
buscar a minha protecção nas Aldêas em que vivem, faz justificada
a derogação da dita Lei, que para este fim hei por expressada, como
se della fizera especial menção.
E
tirada a dita devassa, a pronunciará, e procederá no castigo dos
culpados nos casos declarados neste Regimento, como é disposto nelle
- e nos casos de adulterio, em que não houver accusação, procederá
contra os adulteros, com pena de degredo de dez annos para Angola ―
e as adulteras, querendo-as receber os maridos
nas Aldêas,
se mandarão repôr n'ellas, e a arbitrio dos Padres Missionarios; e
quando as não queiram receber, respeitando o crime que fizeram, como
este se commettesse por causa de sua natural fraqueza e ignorancia,
pela malicia e dolo com que são persuadidas, e por esta razão não
mereçam igual castigo, nem seja conveniente ao serviço de Deus e
meu que vão degradadas para outra Conquista, se ordenará o seu
castigo, e a segurança das suas vidas, na Junta das Missões, á
qual serão remettidas, com o processo das culpas que lhes resultarem
das devassas, das quaes dará conta o dito Ouvidor Geral tambem todos
os annos, no Conselho Ultramarino, para que me seja presente como
procede na execução dellas; e do contrario se lhe dará culpa na
sua residencia.
VIII.
Os Padres Missionarios porão maior cuidado em que se povoem de
Indios as Aldêas, pois a elles lhes encarrega o governo
dellas, e espero que procurem por todos os meios, não só a
conservação, mas o augmento das que são de repartição, por ser
conveniente que haja nas ditas Aldêas Indios, que possam ser
bastantes, tanto para a segurança do Estado, e defensa das Cidades,
como para o trato e serviço dos moradores, e entrada dos Sertões.
IX.
O mesmo cuidado terão os Padres Missionarios de communicarem e
descerem novas Aldêas do Sertão, e de as situarem em partes
accommodadas, para a sua vida, e trato dos moradores das Cidades,
Villas e Logares, fazendo-os communicaveis no commercio, e
persuadindo-os á razão da vida honesta de seu trabalho, para que
não vivam ociosos, e para que uns e outros se possam igualmente
ajudar, com reciproco commercio de seus interesses.
X.
O commercio, que necessariamente consiste em generos do
serviço dos Indios, que tambem importa necessariamente o justo
salario de seu trabalho, se deve regular de maneira, que no commercio
não haja engano, nem nos salarios excesso. Para este fim, quanto aos
generos, se ordenará na Camara, com
assistencia do Governador, e do Ouvidor Geral, e Provedor da Fazenda,
a taxa dos preços pelos quaes se hão de vender aos Indios, e
aquelles porque os Indios hão de vender, ou permutar os que forem de
suas fabricas, ou tirarem dos Sertões: - e quanto aos salarios, se
taxarão estes pelo Governador, com conselho e assistencia do
Prelado da Companhia de Jesus, e do Prelado dos Padres de Santo
Antonio, ouvidas as Camaras - e tanto de uma como de outra cousa se
fará assento, communicando-se aos moradores, pelo meio que parecer
conveniente, e aos Indios por meio dos Padres, aos quaes se darão
tantas copias em numero, como forem as suas Aldêas, para as
participarem a todas. [470]
XI.
Os salarios dos Indios se satisfarão em
dous pagamentos, ametade
quando forem para o serviço, e a outra ametade se entregará
no fim delle - e a fórma desta satisfação e entrega se ordenará
pelo dito Governador, com conselho e assistencia dos ditos Padres, ao
mesmo tempo que se determinar a taxa dos salarios, para que de nenhum
modo possa haver engano nem falta nos ditos pagamentos.
XII.
Para se evitar a queixa dos moradores na repartição dos Indios, e
para que se não possa exceder o numero dos escriptos, a que se chama
verbaes, e muito principalmente para que os Padres possam saber o
numero e qualidade dos Indios de que se podem valer, nas
occasiões em que podem ser necessários para bem do Estado, se farão
dous Livros, que servirão de matricular nelles todos os Indios, de
idade de treze annos inclusive,
até a idade de cincoenta annos, por ser aquella em que commodamente
podem estar capazes de servir - um destes Livros terá o
Superior das Missões, e outro o Escrivão da Fazenda, e ambos serão
rubricados e numerados pelo Governador - e tanto em um como em outro
se irão descarregando, por certidões dos Missionarios, os Indios
que forem fallecendo, e aquelles que, por achaques e por causa dos
annos, estiverem escusos do trabalho - e estes Livros se reformarão,
passados dous annos, do mesmo modo em que agora se fizeram, e por
este mesmo modo se irão continuando adiante.
XIII.
Por quanto mostrou a experiencia que a repartição dos Indios se não
póde fazer por tempo de dous mezes, como era ordenado pela
minha Lei do 1.º de Abril de 1680, em razão de ser necessario muito
mais tempo para se trazerem as drogas dos Sertões, sou servido
derogar a dita Lei, e ordeno que a dita repartição se faça nas
Aldeas do Pará, por tempo de seis mezes inclusivè, e que no
Maranhão se faça por tempo de quatro - com declaração que,
intendendo o Governador, com
conselho do Superior das Missões, que, pela difficuldade dos Rios, e
distancia dos Sertões do Maranhão, é necessario igual tempo
aos moradores da Cidade de S. Luiz para irem a elles, que aos da
Cidade de Belem do Pará, poderá alterar o termo dos quatro mezes,
como todos julgarem ser conveniente.
XIV.
Esta repartição se não fará em tres partes, como se mandava fazer
pela dita Lei, mas antes se fará em duas partes, ficando uma
nas Aldêas, e outra indo ao serviço, pela mesma razão do maior
tempo que os Indios se hão de occupar nelle - o que se intenderá,
sendo igual este tempo do serviço no Maranhão, que no Pará;
porque, se no Maranhão forem necessarios quatro mezes sómente,
ficará com mais igualdade a repartição das tres partes, servindo
uma, e descansando duas.
XV.
Nesta repartição não entrarão os Padres da Companhia,
porque elles, attendendo á melhor conveniencia dos moradores, me
representaram que a podiam escusar, se eu os remediasse por outra
via, para o serviço que lhes é necessario dos seus Collegios e
residencias; pelo que houve por bem de consentir na sua petição: -e
na consideração de que não hão de ter a terça parte, como tinham
até o presente, ordeno ao Governador, que elle depute, para serviço
dos ditos Padres da Cidade de S.
Luiz do Maranhão, a Aldêa
chamada do Panaré; e para o serviço dos Padres da Cidade de
Belem do Pará a Aldêa chamada de Gonçan, que elles desceram do
Sertão, com expressa condição de não servirem aos moradores da
dita Cidade, e tambem para que os possam tornar a unir na dita Aldêa,
da qual os mais delles fugiram, por occasião de serem obrigados ao
dito serviço - com tal declaração porém,
que os ditos Padres procurarão por todos os meios possiveis descer á
dita Aldêa
do Panaré para junto do Rio Itapecurá, pela conveniencia que
desta mudança resulta a meu serviço; e que a mesma Aldêa ficará
com a obrigação que tinha de se dar um Indio della para guia de
cada uma das canôas, que os moradores costumam mandar ao cravo do
dito Rio Panaré; procurando
tambem, quanto lhes fôr
possivel, e o tempo lhe permittir, que o mesmo Rio Panaré se povôe
de outra Aldêa
que poderem descer do Sertão, na parte do dito Rio que a elles lhes
parecer conveniente; e que no Pará procurem do mesmo modo
descer alguma Aldêa, que possa substituir a de Gonçan, que se lhes
larga, pela conveniencia que tambem resulta a meu serviço na
extensão das povoações. - E tanto uma como outra Aldêa se
entregarão logo aos ditos Padres, ficando no seu cuidado satisfazer
á dita declaração.
XVI.
Para cada uma das residencias que os ditos Padres tiverem em
distancia de trinta leguas das ditas Cidades de S. Luiz do
Maranhão, e de Belem do Pará, lhes deputará tambem o Governador
vinte e cinco Indios, por serem os necessarios ao exercicio das suas
Missões, ás quaes devem acudir tão promptamente, como requer o bem
espiritual dos Indios, que administram as Aldêas que são do
districto das ditas residencias; porque não é possivel que de outro
modo satisfaçam a sua obrigação, e zelo com que tratam do serviço
de Deus Nosso Senhor e meu.
XVII.
As residencias que tiverem dentro do limite das trinta leguas,
poderão supprir os ditos Padres com os Indios das Aldêas que lhes
são concedidas, mandando uns para ellas, e mudando [471] outros,
como lhes parecer conveniente; porém isto se não intenderá para
com a residencia de Mortigurá, que tem os ditos Padres no Sertão do
Pará, porque para ella se lhes darão tambem vinte e cinco Indios,
supposto que esteja dentro das trinta leguas, em razão de que o
districto da dita residencia é muito largo, e o não poderão
satisfazer, como importa ao bem espiritual das Aldêas, com os Indios
da Aldêa que lhe é concedida no Pará.
XVIII.
A repartição que se houver de fazer dos Indios para o serviço dos
moradores das Cidades, Villas e Logares do Maranhão e Pará, fará o
Governador, na parte onde estiver, e em sua falta o Capitão-mór,
com duas pessoas mais, eleitas pela Camara, e sempre com o parecer e
assistencia do Superior das Missões, e dos Parochos das ditas
Aldêas,
que se poderem achar presentes ao tempo que a dita repartição se
fizer; e nella não poderão entrar o dito Governador ou Capitão-mór,
nem as
ditas pessoas que a Camara eleger - e nesta mesma fórma se expedirão
as licenças para os ditos moradores irem ás ditas Aldeas buscar os
ditos Indios que lhes forem repartidos - e quando lhes seja
necessario irem ás Aldêas trazer os Indios para o commercio, ou por
outro respeito que seja justo, lhes dará licença o dito Governador,
e em sua ausencia o Capitão-mór, com o
conselho do Superior das Missões, a qual será assignada por ambos;
e primeiro de usarem della, os taes moradores serão obrigados
apresental-a ao Parocho das ditas Aldêas.
XIX.
A falta de Indios com que se acham as Aldeas da repartição, faz
precizo que se procurem aliviar, de algum modo que seja mais commodo
para elles, e conveniente aos moradores; e com este respeito, todas
as vezes que os moradores houverem de ir ao Sertão, arbitrando-se
primeiro o numero de Indios que necessitam para lhes remarem as
canôas, se lhes dará ametade delles, sómente das Aldeas da
repartição, e a outra ametade procurarão os taes moradores trazer
das outras Aldeas, que costumavam servir, pela conveniencia que com
elles faziam: por quanto com a taxa dos salarios fica remediado o
damno que sentiam no excesso delles - e os Padres Missionarios das
ditas Aldêas terão cuidado de que os ditos Indios se não escusem
sem justa causa, pela conveniencia que tiram do seu trabalho, e pela
que a todos resulta do commercio dos Sertões. - E não será razão
bastante para não entrarem da dita repartição os moradores que
tiverem escravos proprios; porque, além de serem necessarios para as
suas fabricas, não é justo que se exponham a lhes fugirem para os
Sertões, como tem succedido muitas vezes.
XX.
Não poderão entrar na repartição aquelles Indios que forem
menores de treze annos, como acima fica dito, nem tambem algumas
mulheres, desta ou de maior idade - mas porque na occasião em que se
recolherem os fructos que se lançaram á terra são necessarias aos
moradores algumas Indias, que se chamam farinheiras, e tambem
necessitam os mesmos moradores de Indias para lhes criarem seus
filhos, e é razão que em umas e outras se occupem neste serviço
sem perigo de sua honestidade - encarrego muito aos
Reitores dos Collegios, e Prelados das Missões, que elles, no
tempo conveniente e necessario, façam repartir, e com effeito dêem,
as taes Indias farinheiras e de leite áquellas pessoas que as
houverem de tratar bem, no espiritual e temporal, arbitrando-lhes os
salarios que devem vencer, e o tempo deste serviço, para que
consigam o justo interesse d'elle, e não possa exceder o dito tempo,
sem que as taes pessoas recorram aos ditos Padres, e que elles hajam
por justificada a maior dilação que se lhes pedir.- E ao Governador
encarrego muito particularmente que faça observar nesta parte o que
os ditos Padres dispozerem, assim para o serviço das ditas Indias,
como para a satisfação do seu trabalho.
XXI.
É muito conveniente ao bem espiritual temporal dos Indios, que não
vivam em Aldêa pequena, e que não estejam divididos no Sertão,
expostos á falta dos Sacramentos, pela difficuldade de lhe acudirem
os Missionarios, e a violencia com que a este respeito podem ser
tratados, na falta de assistencia dos mesmos Padres - e porque no
Regimento dos Governadores se ordena que os procurem reduzir a Aldêas
de cento e cincoenta visinhos, e se tem conhecido os damnos de se não
observar o disposto nelle, sou servido ordenar novamente que o dito
Regimento se execute, tanto pelo dito Governador, na parte que lhe
toca, como pelos ditos Missionarios, que farão toda a diligencia
para os persuadir á conveniencia referida.- E quando os ditos Indios
forem de differentes Nações, e por esta causa repugnem á dita
união, que costuma nestes casos ser tal, que os faz cahir algumas
vezes na desesperação de sua antiga barbaridade, se poderá evitar
esse inconveniente, separando-os e dividindo-os em freguezias, dentro
do districto em que estiverem as residencias, para que por este modo
sejam assistidos nos ditos Padres com a doutrina, seguros com as
minhas Leis, e conservados, sem o temor de sua repugnancia.
XXII.
Os Indios das Aldêas que de novo se descerem do Sertão, não serão
obrigados a servir, por tempo de dous annos, porque é necessario
para se doutrinarem na Fé, primeiro motivo de sua
reducção: — e
para que façam as suas roças, e se accommodem á terra antes, que
os [472] tornem
arrependidos a differença delle, e o jugo do serviço, e tanto para
com as Aldêas que se descerem para servirem aos moradores,
como para aquelles que sem esta condição quizerem descer, se
observarão inviolavelmente os pactos que com elles se fizerem, por
ser assim conforme á fé publica, fundada no Direito
Natural, e Civil, e das Gentes. - E se os Governadores contravierem
estes pactos, depois de feitos e celebrados pelos Padres Missionarios
com os ditos Indios (o que eu não espero) me darei por muito
mal servido delles; e será reputada esta culpa por uma das maiores
de suas residencias.
E
succedendo que os Padres Missionarios, praticando os Gentios dos
Sertões, os achem dispostos a seguir e observar a Lei de Christo
Nosso Redemptor nas mesmas terras aonde vivem, sem quererem descer
para outras, neste caso aceitarão
os ditos Padres os taes Gentios ao gremio da Igreja, procurando
persuadilos a que desçam sómente para aquella parte do mesmo
Sertão em que elles mais commodamente lhes possam assistir com a
doutrina evangelica, e bem espiritual de suas almas; fazendo com tudo
que se não unam em Aldêas, ou se ajuntem em Freguezias, no
districto das residencias que os Padres fabricarem de novo na fórma
que se dispoem no capitulo antecedente; porque a justiça não
permitte que estes homens sejam
obrigados a deixarem todo e por todo as terras que habitam, quando
não repugnam a ser Christãos; e a conveniencia pede que as Aldêas
se dilatem pelos Sertões, para que deste modo se possam penetrar
mais facilmente, e se tire a utilidade que delles se promette.
XXIII.
Para as entradas que os Missionarios hão de fazer nos Sertões lhes
darão os Governadores todo o auxilio, ajuda e favor que elles
houverem mister, tanto para a sua segurança, como para com
maior facilidade fazerem as Missões: - e porque tenho mandado dar
Regimento á Junta das Missões, e não é razão que os Ministros
della se entremettam em outras cousas mais, d'aquellas para
que foi creada, não poderá a dita Junta, no mais tempo que se faz o
dito Regimento, encontrar o disposto
neste, mas antes o fará observar com o cuidado da sua obrigação.
E
não contém mais o dito Regimento, o qual mando se cumpra e guarde,
como nelle se contém, sem embargo de quaesquer Leis,
Ordenações, Privilegios particulares ou geraes, Regimentos e
Provisões que hajam em contrario, que tudo hei por derogado e
derogo, para effeito do que nelle se contém, como se de cada uma
fizera expressa menção, e que não passe pela Chancellaria, sem
embargo das Ordenações em contrario.
Martim
de Brito Couto o fez, em Lisboa, a 21
de Dezembro de 1686. O Bispo Frei Manoel Pereira o fez escrever. =
REI.
Liv.
de
Regimentos do Conselho Ultramarino fol. 205”
Regimento
de 21 de Dezembro de 1686 que Sua Magestade ha por bem se guarde na
reducção do Gentio do Estado do Maranhão, para o gremio da Igreja,
e repartição e serviço dos Indios, que, depois de reduzidos,
assistem nas Aldêas, in Colleção Chronologica da Legislação
Portuguesa 1683-1700, Lisboa: Imprensa Nacional, 1859, pp. 468-472.
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