"Provisão sobre a repartição dos Indios do Maranhão e se encarregar a conversão d'aquella gentilidade aos Religiosos da Companhia de Jesus.
Eu o Principe como suceçor Governador e regente destes Reinos e Senhorios de Portugal etc. Faço saber aos que esta minha provisão virem que por haver entendido ser precisamente necessario ao bem publico e conservação do Estado do Maranhão que haja nelle copia de gente de serviço de que se valhão os moradores para a cultura de suas searas e novas drogas que se tem descoberto, cuja fabrica deseja-se adiante querendo aplicar todos os meios para este fim assim como tenho ordenado a condução dos negros da Costa de Guiné que todos os Annos hão de ir ao mesmo Estado com a maior comodidade dos moradores delle que se pode ajustar, assim tambem convem não somente conservar os Indios livres que de prezentes se achão nas Aldeas, mas procurar augmental-os decendo outros do Certão para que sirvão o mesmo Estado, e por que para isto se conseguir he preciso repartir os Indios que ha de presente de modo que se acuda a tudo o para que são necessarios, mandando considerar esta materia com pessoas de esperiencia e noticias do mesmo Estado. Houve por bem resolver que a repartição se faça na forma seguinte.
Que antes de tudo se recondussão ás Aldeas todos os Indios livres pertencentes a ellas que estiverem devertidos por outras partes para o que os parochos dellas darão o rol dos auzentes ao Governador ao qual mando que logo os faça effectivamente restituir sem admitir requerimento nem replica em contrario para que deste modo fiquem as Aldeas acrescentadas e haja mais Indios de que se faça arrepartição que ordeno.
Depois de recondusidos os ditos Indios se saberá pelo rol dos Parochos o numero que ha delles capases de serviço em todas as Aldeas e se dividirá em trez partes, hua delias ficará sempre nas mesmas Aldeas alternativamente na forma de minhas ordens para tratar das lavouras necessarias para a concervação das suas familias e para o sustento dos Indios que de novo decerem. A outra parte se repartirá pellos moradores na forma que de presente tenho ordenado por resolução de 17 deste presente mez e Anno em consulta do Conselho Ultramarino. A ultima das trez partes se aplicará aos Missionarios para a condução dos novos Indios que hão de procurar decer para as ditas ou novas Aldeas.
E porque esta parte he mais necessaria e para o ministerio mais importante e podem servir para elle mais uns Indios que outros conforme a noticia que tiverem dos logares do Sertam e das linguas das nações; os ditos Missionarios poderão eleger livremente os Indios que lhe parecerem de mais inteligencia e prestimo para os acompanharem.
E pello que convem ao serviço de Deos e meu devendo para segurança de minha consciencia procurar aplicar os meios mais eficazes para a conversão daquella gentilidade e por outros justos respeitos que a isso me movem e moverão aos Senhores Reys meus predecessores a empregarem nesta ocupação os Religiosos da Companhia de Jesus e por ser conveniente que o ministerio da converssão se faça por hua só Religião pellos graves inconvenientes que tem mostrado a esperiencia haver em se faserem por diversas/ Hey por bem que os ditos Religiosos que hora estão no dito Estado e ao diante a elle forem em quanto eu não ordenar o contrario possão hir somente ao Sertão a tratar de redusir a fé, decer e domesticar aquelle gentio pelo muito conhecimento e exercicio que desta materia tem e pello credito e confianca que os gentios deles fasem, por cujo meio somente poderão hoje esperar ter a liberdade que por nova ley lhes mando segurar para que removido o temor dos injustos cativeiros que athe agora padecião e com a esperança do bom tratamento que lhes mando fazer se possão com a suavidade e industria dos ditos Padres mais facilmente redusir a nossa Santa fée catholica e traser a sociedade civil em Aldeas e habitações, quanto for posivel mais vesinhas aos Portuguezes em que posão ser mais uteis ao Estado; Rasões que moverão aos Senhores Reys meus predesessores a entregarem aos ditos Padres este Ministerio do Estado do Brasil por Provisão de 26 de Julho de 609; e a ElRey, meo pay e Senhor por novas ordens passadas para o mesmo Estado do Maranhão no Anno de 655.
E para que os ditos Gentios que assim decerem e os mais que ha de prezente milhor se conservem nas Aldeas, Hei por bem que sejão senhores de suas fasendas como o são no Certão sem lhe poderem ser tomadas nem sobre elles se lhes fazer molestia, e o Governador com parecer dos ditos Religiosos assignará aos que descerem do Certão logares convenientes para nelles lavrarem e cultivarem e não poderão ser mudados dos ditos logares contra sua vontade, nem serão obrigados a pagar foro ou tributo algum das ditas terras, ainda que estejão dadas em sesmaria a pessoas particulares por que na concessão destas se reservaria sempre o prejuiso de terceiro, e muito mais se entende e quero se entenda ser reservado o prejuiso e direito dos Indios primarios e naturaes Senhores dellas.
E por que o meo (sic) principal he dilatar a pregação do Santo evangelho e procurar traser ao gremio da Igreja aquella delatada gentilidade cuja conversão Deos nosso Senhor encarregou aos Senhores Reys destes Reynos e cujo Zelo devo e dezejo imitar e muitas das nações d'aquelle Estado estão em partes mui remotas, vivendo nas trevas da ignorancia e deficultosamente se podem ou se persuadirão a descer para a vesinhança dos Portugueses, para que ainda no interior do Sertão lhe não falte o pasto espiritual/ Hey por bem e encomendo muito, rogo e encarrego aos ditos Religiosos da Companhia penetrem quanto for possivel aos ditos Sertões e fação nelles as residencias necessarias convenientes, levantando igrejas para cultivarem os ditos Indios na fé e os conservarem nella, e para que vivão com a decencia cristã e deixem seus barbaros costumes lhe emcomendo tambem que os exortem e industriem a cultivar as terras conforme a fecundade e capacidade dellas e a se aproveitarem das drogas e frutos que nellas produz e lhes offerece a naturesa e para as condusirem e comutarem com os Portuguezes pela facilidade que para isso tem em razão dos rios com que allem da utilidade espiritual e temporal dos mesmos Indios poderá crecer o commercio naquelle Estado com grande conveniencia dos moradores, tendo entre outras a de por este modo se servirem dos Indios mais remotos e escusarem o trabalho e despesa das navegações que ate agora fazião a buscar estas mesmas drogas e frutos agrestes e incultos a partes muito distantes, e por este meio conservarão os Indios mais vesinhos nas aldeas valendo-se delles para o serviço das suas lavouras sem se consumirem como ate agora nas ditas viagens.
E particularmente emcomendo aos superiores da Companhia que as primeiras destas Missões sejão da outra banda do rio das Amazonas para a parte do Cabo do norte nomeando taes pessoas para ellas de cuja prudencia, industria e virtude se possa esperar que alem de tratarem da conversão dos Indios da dita costa os procurem ter e conservar na minha obediencia, e fidelidade aos Portuguezes por ser assim conveniente ao meu serviço e ao bem do dito Estado.
E por que para estas Missões e residencias no Sertão he necessario maior numero de Missionarios e he certo que serão mais idoneos e capazes deste Ministerio os sugeitos que se criarem n'aquelle clima, e em idade que lhes seja mais facil aprender as linguas, terão os ditos Religiosos na cidade de São Luiz do Maranhão o noveciado que lá tem principiado com os estudos necessarios para se criarem nelle sugeitos capazes das Missões, e terão nelle sempre vinte subgeitos alem dos que até agora tem n'aquelle collegio os quaes serão destinados e se empregarão somente nas Missões do dito Estado, e sendo por seus superiores mandados para outras partes hirão outros em seu logar, e para sustentação delles lhes tenho mandado consignar a congrua conveniente na forma e com as condições que se declarão na ordem que para esse effeito lhe mandei passar.
Para facilitar o fruto destas Missões e perderem os Indios o temor em que vivem a muitos Annos dos injustos cativeiros e mao tratamento com que tem sido o premidos, os Religiosos que forem a ellas não levarão gente de guerra, por que o estrondo das Armas não afugente os Indios, que com suavidade, paz e brandura se devem e hão de trazer ao culto da Religião catholica e trato e communicação com os Portuguezes, e somente quando forem os ditos Missionarios a algua paragem arriscada pela vizinhança de alguns barbaros, ou em que por qualquer razão haja perigo, o Governador lhe mandará dar a parte de Armas necessarias para a segurança do intento, elegendo para isto as pessoas que os Missionarios propuserem, e tiverem por mais convenientes, e que milhor com elles se acomodem e com os Indios que se intentarem reduzir.
Para se conseguir o intento de promover e adiantar as Missões, decer Indios e estabelecer residencias dos Padres da Companhia de Jesus no Sertão na forma acima declarada é conveniente e necessario que os Indios que os hão-de acompanhar e conduzir sejão criados com a sua doutrina sogeição e obediencia, asim por que a tenhão ao que elles lhe mandarem, e para que não haja ocasião de discordias entre elles ou com outros Parochos, como porque sendo os mesmos Indios os interpretes e instrumentos da conversão dos Gentios, e padecendo muitos trabalhos em largas e perigosas jornadas sem salario ou satisfação algua se acomodarão melhor aos tolerar os que forem de sua criação por haverem recebido delles a doutrina, o amparo e boas obras e a defença de suas liberdades, beneficios com que lhe tem grangeado amor e reverencia; Pelo que hey por bem que havendo alguas Aldeas de Indios que tenhão outros Parochos regulares ou clerigos, a terceira parte delles que conforme a ordem acima referida se havia de aplicar para acompanhar aos ditos Missionarios, se aplique a parte que mando repartir para o servigo dos moradores, compensando-se o numero delles com outra dos que se havião para isto de aplicar das Aldeas dos ditos Religiosos.
E para que tenhão mais Indios de que se valer ao diante para este Ministerio e por outras razões e justos respeitos, Hei outro sim por bem que se houver alguas aldeas na Capitania do Gurupá, rio das Amazonas, ou em outra qual quer parte que não tenhão Parochos particulares se entreguem aos ditos religiosos da Companhia de Jezus, a quem El Rey meo Senhor e pay mandou entregar todas as d'aquelle Estado, e a quem encomendo se encarregem destas como então encarregarão de todas e serão concervados nas que ate agora doutrinarão, e havendo-se movido algua duvida sobre este particular ou della se me haja dado conta ou não, quando este Alvará chegar no dito Estado, serão restituidos a todas as que tinhão no tempo em que o Governador Ignacio Coelho chegou a elle, por serem como são seus ligitimos Parochos, conforme a ordem do dito Senhor Rey meu Pay, a quem tocava privativamente, como a mim de presente o Provimento de todas nas conquistas.
E descendo os ditos Religiosos outros Indios do Sertão, as Aldeas que delles se formarem, serão admenistradas e doutrinadas por elles, assim por que convem que todos o sejão por hua só Religião no mesmo reino e provincia na forma que está ordenado na India e Brasil, por evitar discodias e outros grandes inconvenientes contrarios a conversão que particularmente intento, como por que para este Ministerio tem a dita Religião como particular instituto seu grande zelo, aplicação, industria e experiencia, com que se tem feito muito aceitos e agradaveis aos Indios.
E de tudo o que se obrar nestas Missões, e de tudo o que para o progreço dellas neste ordeno me darão conta o Bispo, Governador e Prellados das Religiões de aquelle Estado pelo Conselho Ultramarino e pela Junta das Missões, e este se executará como nella se conthem.
Dado na Cidade de Lisboa ao primeiro dia do mez de Abril.
Martim de Britto Couto a fez Anno de 1680.
//Principe//"
Referência: Beatriz Perrone-Moisés, "Inventário da Legislação Indigenista 1500-1800", in Manuela Carneiro da Cunha (org.), "História dos Índios no Brasil", São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Fonte: Provisão. 01-04-1680, in Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – Livro Grosso do Maranhão, vol.66, Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1948, pp. 51-56.
Transcrito por Rodrigo Sérgio Meirelles Marchini.
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