Alvará de 28 de abril de 1688

 Alvará de 28 de abril de 1688

[484] [...]

Eu El-Rei faço saber aos que este Alvará virem, que, sendo o meu principal intento nos Dominios de todas as minhas Conquistas, a conservação dellas, pelo augmento da Fé, e liberdade dos Indios, procurando e concorrendo com todos os meio de os trazer ao gremio da Igreja, pelos da propagação do Santo Evangelho; sou informado que a Lei que mandei estabelecer em o 1º. de Abril de 1680, para o Estado do Maranhão, prohibindo todos os captiveiros dos taes indios, tanto por meio dos resgates como das guerras justas, não teve a observancia que devia ter no dito Estado, mas antes succedeu em maior damno de suas almas, e das vidas, que por meio dos ditos regates vinham a conseguir, pois, tendo guerras entre si os ditos Indios pelas quaes os captivam, os levam a vender ás terras dos estangeiros, e dentro dos meus Dominios fazem e admittem resgates delles; e quando o não pódem fazer, pelas distancias, ou outros impedimentos, os prendem á corda, e os matam cruamente, para os comerem, e quando succedem as guerras dos meus Vassallos com elles, ou delles para com os meus Vassallos, pelas causas que para isso dão os ditos Indios, e nos casos que por direito são permitidos, os matam no mesmo furor da guerra temendo a sua infiel barbaridade depois de vencidos, e sem a piedade que delles poderiam ter, se das suas vidas podessem tirar o fruto dos captiveiros; occasionando-se por estas mesmas causas a mais dura guerra, e as mais desesperadas mortes: e sendo-me tudo assim presente, por muitas informações, e todas [485] dignas de credito, pela qualidade das pessoas que mas deram, com maior experiencia das materias, e pela occasião, e differença dos tempos, que as necessitam, principalmente sendo ordenadas para maior serviço de Deus, e bem commum de meus Vassallos – mandei considerar de novo estas informações por Ministros e Letrados de todas as perfeições, doutos e prudentes nas suas faculdades: e com o parecer, que uniformemente me deram todos por escripto, houve por bem derogar a dita Lei do 1.º de Abril de 1680, que prohibia totalmente os ditos resgates e captiveiros, e suscitar em parte a que havia feito El-Rei meu Senhor e Pai, em 3 de Abril de 1655, que os admitia nos casos nella expressados, com novas clausulas, e certas condições, que serão abaixo declaradas.

Quanto ao resgate dos Indios, sou servido que se façam por conta de minha Fazenda para com todos os que acharem captivos em guerra de outros Indios, ou sejam presos á corda para os comerem, ou captivos para os venderem a quaesquer Nações, tanto que não forem captivos para o effeito das vendas sómente, e que elles a não repugnem, intendendo que por outro modo pódem livra a vida.

E para este effeito, mando, se empreguem nesta Cidade tres mil cruzados nos generos mais convenientes aos ditos resgates, e que delles se deputem dous mil cruzados para a Cidade de Belem do Pará, e mil cruzados para a de S. Luiz do Maranhão, os quaes se depositarão, nas ditas Cidades em mão de pessoas abonadas, e aprovadas pelos Prelados das Missões da Companhia de Jesus, ainda que seja com o interesse de se lhe darem alguns dos Indios resgatados, em premio de seu trabalho, por justo arbitrio dos Ministros nomeados por este Alvará para esta repartição: e em falta das taes pessoas se depositarão na mão dos Almoxarifes de minha Fazenda das ditas Cidades, que os terão separados, e distinctos de quaesquer outros effeitos: e assim elles, como as outras pessoas, que forem depositarias dos ditos generos, os entregarão á ordem dos ditos Prelados das Missões da Companhia de Jesus, em as ditas Cidades de S. Luiz do Maranhão, e Belem do Pará; os quaes serão obrigados a fazer os resgates, não só nas Missões ordinarias de suas residencias, mas, para este effeito, entrarão todos os annos em diversos tempos pelos Sertões, com a gente que intenderem necessaria, e Cabo de Escolta á sua satisfação, que uma e outra cousa lhe mandará dar promptamente nas ditas occasiões o meu Governador e Capitão Geral do dito Estado, levando outrosim as pessoas que lhe parecerem convenientes, em cujo poder vão os ditos generos, para da sua mão os mandarem destribuir: e feitos os taes resgates enviarão os Indios resgatados ás Camaras das ditas Cidades, que os repartirão com igualdade aos que mais necessidade delles tiverem, por razão de suas fazendas, grangearias e lavouras; o que se fará com auctoridade do dito Governador, e sempre com assistencia do Ouvidor Geral: e as pessoas a quem se repartirem entregarão outros tantos generos aos ditos Depositarios, quanto os taes Indios resgatados custarem até serem postos nas ditas Cidades, por toda a despesa das ditas entradas, e resgates, e da mesma qualidade e bondade, como o foram os que por elles se deram de maneira que se reponha e conserve sempre na mão dos ditos Depositarios a dita quantia de tres mil cruzados, sem diminuição alguma, fazendo-se alem disto a conta dos ditos resgates, não só pelo custo de cada um dos ditos Indios que chegarem vivos, mas repartindo-se por elles a importancia dos que falecerem depois de resgatados, e tambem dos que se derem aos depositarios, não sendo aos Almoxarifes, que vencem ordenados de minha Fazenda: e assim mesmo pagarão direitos dos taes escravos a razão de 3$000 réis por cabeça, os quaes cobrarão os ditos Depositarios ou Almoxarifes, e os terão como dito é, separados de qualquer outro recebimento; por quanto desde logo applico estes direitos para a despesa das Missões, tanto das entradas dos Sertões, em ordem aos resgates, para aliviar mais o custo delles, como das que tenho mandado fazer para se descerem Aldêas novas, e fornecimento das velhas.- E os ditos Depositarios ou Almoxarifes entregarão o procedido dos taes direitos á ordem dos ditos Prelados das Missões, no tempo que fizerem as ditas entradas, os quaes darão conta por carta sua com toda a distinção e clareza ao Governador, assim desta despesa, como da que houverem feito do generos no emprego dos resgates e custos delles, até serem postos e entregues nas ditas Camaras, pela qual conta se estará sem alguma duvida. E o Governador será também obrigado a remeter todos os annos as copias desta cartas pelo Conselho Ultramarino, e mandará outrosim lança-las em o Livro, que haverá nas Camaras, especial para este registo, e se guardarão nellas separados de outros.

E particularmente encarrego e mando ao dito Ouvidor Geral tenha grande cuidado de saber, se satisfazem o dito Governador e Missionarios as obrigações referidas, e mo fará presente em todas as monções o que obraram todos nesta materia, com comminação de me haver por muito mal servido delle, se o não cumprir assim, e de se lhe dar em culpa na sua residencia, para o que mando acrescentar a ella um capitulo deste theor.

E quanto aos captiveiros por occasião das guerras dos meus Vassallos com os Indios, e destes para com os meus Vassallos – hei por bem de permitir se possam fazer nos casos presentes: - O primeiro da guerra deffensiva, que se intenderá somente no acto da invasão, que os Indios inimigos e infieis fizerem nas Aldêas e [486] terras do Estado do Maranhão, com cabeça ou communidade, que tiver soberania ou jurisdição, principalmente quando os ditos Indios impedirem com mão armada e força de armas aos Missionarios a entrada dos Sertões, e a da doutrina do Santo Evangelho, fazendo com effeito hostilidades ás pessoas que levarem em sua companhia:

O segundo da guerra offensiva, quando houver temor certo e infallivel que os ditos Indios, inimigos da Fé, procuram invadir as terras dos meus Dominios, e ajuntando gente para este effeito, sem que por outro modo se lhes possa impedir a dita invasão, o qual se procurará primeiro por todos os meios de persuasão, de temor e de boa paz, ou tambem quando os ditos Indios inimigos e infieis tiverem feito hostilidades graves e notorias, e não derem satisfação condigna dellas, sugeitando-se a receber aquelle castigo que fôr conveniente ao decoro de minhas Armas, e necessario para a conservação do dito Estado.

Nestes casos poderão ser captivos os Indios infieis, no tempo que durar o conflicto das guerras; e fóra delles se não poderão fazer as ditas guerras, nem se poderão admittir os ditos captiveiros.

E para constar da legalidade destes mesmos casos, com toda aquella certeza, que é necessaria e conveniente para a justiça delles – sou servido ordenar e declarar ao Governador e Capitão Geral do Estado do Maranhão, por condição, que ha de guardar, e que ha de concorrer e proceder necessariamente a uma e outra guerra, que a defensiva da invasão dos inimigos se justificará com documentos jurídicos de maior prova de testemunhas, que tirará o Ouvidor Geral, ao tempo que der logar á mesma guerra, e por certidões juradas dos Missionarios que assistirem nas terras e Aldêas que forem invadidas; e do mesmo modo será justificada, quando os Indios, e inimigos da Fé, impedirem a entrada dos Sertões aos Missionarios, e a prégação do Santo Evangelho; declarando-se no theor dos autos, e nos documentos dos mesmos Missionarios, as circumstancias e qualidades que ficam apontadas: - e que a offensiva se justificará legalissimamente, primeiro e antes de se fazer guerra, sendo a primeira prova os pareceres por escripto dos Padres Superiores e Prelados das Missões da Companhia, e da Religião de Santo Antonio, que assistirem nas Cidades de S. Luiz do Maranhão, ou de Belem do Pará, onde a tal guerra se ordenar, e outrosim do Ouvidor Geral; sem os quaes em nenhum modo se poderá fazer; e as darão com toda a distincção e individualidade das circumstancias tambem que ficam apontadas a este fim.

Destas guerras, e com os documentos referidos, me dará conta todos os annos o dito Gorvernador, e Ouvidor Geral, por duas vias, uma do Conselho Ultramarino, outra da Secretaria do Estado, para que por uma e outra me seja presente, e para eu os mandar ver e examinar, e determinar sobre elles como parecer de justiça; e não o fazendo assim, serão havidos por livres todos os Indios que de facto tiverem sido captivos, e me darei por muito mal servido dos ditos Governador e Ouvidor: e deste culpa mando se inquira em suas residencias, e que sendo-lhe posta nellas, se me dê especial conta de como as incorreram, para mandar ter com elles a demonstração que me parecer conveniente. E quero que este Alvará tenha força e valha para sempre, como Lei, sem embargo de não passar pela Chancellaria, e de quaesquer outra Leis e Ordenações em contrario, e em especial a do livro 2º. Titulo 44.

Ayres Monteiro a fez, em Lisboa, a 28 do mez de Abril de 1688. Eu Mendo Foyos Pereira a subscrevi. = REI.

Regimento e Leis sobre as Missões do Maranhão, pag. 20."


Alvará de 28 de abril de 1688, in Colleção Chronologica da Legislação Portugueza 1683-1700, Lisboa: Imprensa Nacional, 1859, pp.484-486. Transcrito por Rodrigo Sérgio Meirelles Marchini, em 26/03/2024. Para confrontar a transcrição com a fonte clique aqui.