Carta Régia de 29 de janeiro de 1549 - Traslado da Carta do Ouvidor Geral

[23] Traslado da Carta do Ouvidor Geral

D. João por Graça de Deus Rei de Portugal e dos Algarves daquem, e dalem mar em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação e commercio da Ethiopa, Arabia, Persia e da India. Faço saber a quantos esta minha Carta virem, que pela confiança que tenho do Doutor Pero Borges do meu Desembargo que no que encarregar me servirá assim bem, e fielmente, como cumpre a meu serviço, e bem da Justiça, e por lhe fazer mercê tenho por bem, [24] e o mando ora por Ouvidor Geral das terras do Brasil com Thomé de Souza Fidalgo de minha Casa, que mando por Governador Geral das ditas terras, o qual officio o dito Doutor Pero Borges servirá segundo fórma do Regimento que de mim leva, e usará dos poderes, e alçada, que lhe pelo dito Regimento tenho dado e concedido, e isto por tempo de tres annos, que começarão do dia, que começar a servir o dito Officio em diante, e com duzentos mil reis de ordenado cada anno, que lhe serão pagos a custa de minha Fazenda no Thesoureiro de minhas Rendas, e Direitos que ha de estar na Bahia de todos os Santos, por esta Carta somente, que será registada no Livro de sua Despesa pelo escrivão de seu cargo, e pelo traslado della e conhecimentos do dito Pero Borges mando que lhe sejam levados em conta. Notifico-o assim ao dito Governador, e lhe mando, que o metta em posse do dito Officio, e lho deixe servir, e delle usar, e haver o dito ordenado, e todos os proes, e precalços, que lhe com elle direitamente pertencerem por o dito Regimento, e minhas Provisões. Assim mando aos Capitães das Capitanias das ditas terras do Brasil, e a seus Loco Tenentes, e aos Ouvidores, Juizes, e Justiças, Officiaes, e pessoas das ditas terras de qualquer qualidade, que sejam, que o hajam por Ouvidor Geral dellas, e lhe obedeçam, e cumpram inteiramente suas sentenças Juizos, e Mandados, em tudo o que elle por bem do dito Officio e segundo fórma do dito Regimento fizer, e mandar, e isto sem embargo de pelas Doações por mim feitas aos Capitães das ditas terras do Brasil lhe ser com- [25]cedido, que nas terras das ditas Capitanias não entre em tempo algum Corregedor, nem alçada, nem outras algumas Justiças para nellas usar de jurisdição alguma por nenhuma via, nem modo, que seja, nem menos sejam os ditos Capitães suspensos de suas Capitanias, e jurisdições dellas. E assim sem embargo de pelas ditas doaçoes lhes ser concedida alçada nos casos civeis assim por acção nova como por appellação, e aggravo até quantia de cem mil reis, e nos casos crimes até morte natural inclusive em escravos, e gentios, e em peões Christãos homens Livres em todos os casos, assim para absolver, como para condemnar, e nas pessoas de mais qualidade até dez annos de degredo, e cem cruzados de pena sem appellação, nem aggravo, porquanto por algumas justas causas, e respeitos, que me a isso movem, hei ora por bem de minha certa sciencia por esta vez para estes casos, e para todo o conteudo nesta carta, e no dito Regimento derrogar as ditas doações e todo o nellas conteudo, em quanto forem contra o que se contém nesta Carta, e no dito Regimento, posto que nas ditas doações haja algumas clausulas derrogatorias, ou outras quaesquer de que por direito em minhas Ordenações se devesse de fazer expressa, e especial menção, e derrogação, as quaes hei aqui por expressas, e declaradas, como se de verbo ad verbum fossem nesta Carta escriptas, e declaradas digo escriptas sem embargo de quaesquer Direitos, Leis, e Ordenações, que haja em contrario, e da Ordenação do Livro 2. titulo 49, que diz, que não se entenda ser por mim derrogada Ordenação alguma, se da substancia della não [26] fizer expressa menção; porque tudo hei por bem e mando, que se cumpra, e guarde de minha certa sciencia; e o dito Pero Borges jurará na Chancellaria aos Santos Evangelhos, que sirva o dito Officio bem, e verdadeiramente, guardando em todo a Mim meu serviço, e ás Partes seu direito. E por firmeza do que dito é lhe mandei dar esta Carta por Mim assignada, e sellada de meu sello pendente. João de Seixas a fez em Almeirim a dezesete dias de Janeiro Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil quinhentos, e quarenta, e nove. Manoel da Costa a fez escrever, e dos ditos duzentos mil reis de seu ordenado lhe serão em cada um anno descontados quarenta mil reis; porquanto os mando pagar cada anno do dito Ordenado na Casa da India a Simôa da Costa sua mulher por me o dito Pero Borges assim pedir, e lhe foi logo passada Provisão delles para lhe serem pagos na dita Casa. E assim lhe serão mais descontados do dito ordenado do primeiro tempo que servir, e o vencer cem mil reis por outros tantos, que ao dito Pero Borges mandei pagar adiantados na dita Casa a sua partida para seu percebimento. A qual é assignada por Sua Alteza do signal, que costuma fazer nas taes Provisões. A qual é passada pela Chancellaria a 29 de Janeiro do dito anno de 49, onde pagou de ordenado dois mil, e quatrocentos reis, e no Livro della registada, e começou a vencer seu ordenado a 30 de Março do dito anno de quinhentos, e quarenta, e nove annos.

Carta Régia de 29 de janeiro de 1549 a Pero Borges, in Documentos Históricos, vol. XXXV, Rio de Janeiro:Typ. Baptista de Souza, 1937, pp.23-26.

Transcrito por Rodrigo Sérgio Meirelles Marchini, em 26/03/2019. Para confrontar a transcrição com a fonte clique aqui.