Carta Régia dia e mês desconhecidos de 1558


" Men de Sá, amigo: Eu a Rainha, etc. Por D. Duarte da Costa recebi vossas cartas, pelas quais me dáveis conta da maneira em que me ficáveis servindo nessas terras; e depois recebi as vossas cartas do primeiro de Junho e dez de Setembro; e por elas soube como a capitania de Vasco Fernandes Coutinho ficava muito pacífica, e o seu gentio tão castigado, mortos tantos, e tão principais, que parecia que não levantariam tão cedo cabeça: e recebi muito contentamento com estas boas novas; posto que das de Fernão de Sá, vosso filho, acabar nesta guerra me desaprouve muito. Mas sendo tanto em seu lugar e em coisa de tamanho meu serviço, não há aí que fazer-se senão dar-se a Nosso Senhor por tudo muito louvores, como vejo que fazeis, o que vos agradeço muito. E quanto à determinação em que ficáveis de irdes à capitania do Espírito Santo eu tenho por certo que, quando vos parecesse meu serviço teríeis cuidado de o fazer, e de prover em tudo conforme a confiança que de vós tenho. Enquanto ao que toca aos franceses, e às informações que deles e do que fazem me enviais, folquei de me avisardes de tudo tão particularmente. E porque por outra carta vos escrevo o que acerca disso hei por meu serviço, não tenho nesta que vos dizer; somente que tenho por certo que assim mesmo que dais conta, procedereis conforme a importância em cada uma delas; e de maneira que me haja em tudo por muito servida de vós, e assim vos encomendo muito que o façais, e que tenhais destas coisas o cuidado que de vós espero.
Os poderes, que pedis vos mando, conforme aos de que usava Tomé de Sousa, por provisões de fora, para o que cumpre a bem da justiça; e assim podereis conhecer dos agravos que o ouvidor faz às partes, posto que caiba em sua alçada; e assim das mais coisas que apontais não foi possível irme-vos nestes navios; mas parece-me bem o que dizeis, e eu terei lembranças de se vos enviarem nos primeiros.
Por diversas vias soube do muito favor que dáveis aos padres da Companhia de Jesus, para o que cumpre ao serviço de Nosso Senhor, e recebi disso o contentamento que é razão e requer o intento que se teve no descobrimento dessas terras; que é ser Nosso Senhor nelas tão servido e seu nome tão conhecido e louvado como por tantas razões o deve ser. E porque o meio disto se conseguir é o dos ditos padres, que são tão virtuosos como sabeis, e que com todas as suas forças tanto procuram servir a Nosso Senhor, vos encomendo muito que tenhais particular cuidado, como sei que tendes, de os favorecer e ajudar no que vos requerem e virdes ser necessário. Enquanto à carta que vi que vos parecia que devia de escrever à câmara do Salvador, para que ajudasse e favorecesse os ditos padres, na conversão dos gentios, vos envio com esta agradever-vos e juntamente dardes-lha, e trabalhardes para que assim o façam, dizendo-lhes o grande contentamento que disso receberei, e quanto me desaprazeria do contrário. E pois que como digo , pela pressa com que estes navios partem, não houve lugar de escrever algumas coisas que quisera, por esta mesma razão não vai esta tão larga como também quisera; mas fá-lo-ei nos primeiros navios. E entretanto vos encomendo muito que, do que toca a meu serviço nessas terras, tenhais aquele cuidado que eu confio de vós, e de sempre me escreverdes como fazeis, o que vos parecer."

Referência: Beatriz Perrone-Moisés, "Inventário da Legislação Indigenista 1500-1800", in Manuela Carneiro da Cunha (org.), "História dos Índios no Brasil", São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Fonte: Varnhagen, Francisco Adolfo de, "História Geral do Brasil", vol.1, pp.302 e 303.
Transcrito por Rodrigo Sérgio Meirelles Marchini.
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